Ressentimentos ou entrega absoluta

Ressentimentos ou entrega absoluta

Quem entrega sua vida a Deus guarda ressentimentos?

Hoje em dia acho que o Programa de Recuperação é simples, mas longe de ser fácil. Quando fui me achegando as salas de A.A. pela primeira vez, disseram-me que voltaria a ficar bem se pudesse desapegar-me e aceitar o que era oferecido.

Naquela época, o medo era minha companhia constante, e a baixa autoestima também.

Por sorte minha, consegui escutar pessoas fazendo depoimentos (com a maior alegria) sobre as boas novas da sobriedade. Apesar de ser novato na Irmandade, e limitada a minha compreensão de sobriedade, mesmo assim senti que estavam tentando passar adiante de maneira amorosa o que tinham e como haviam obtido isso.

“Entregue”, foi o que diziam. “Nós não podemos, Ele pode, e deixamos Ele agir.” Outros diziam ainda: “Entregue e deixe que o Poder Superior segure a barra”, e, para aumentar ainda mais o meu medo, alguém sugeriu que entregasse a minha vida e minha vontade aos cuidados de Deus do meu entendimento. E para me apavorar de fato, alguém teve o peito de dizer que fizesse uma entrega completa, o que eu achei naquela hora uma tarefa impossível.

Por que eu andava com tanto medo? Qual era o meu problema de fato, e onde encontraria as respostas que poderiam curar essa minha mente confusa? Talvez fazendo um inventário pessoal sobre o lamentável estado em que me encontrava. Seguindo esse curso de ação, descobri, para minha grande surpresa, que eu, como tantos outros e outras nas salas de Alcoólicos Anônimos, tinha um Deus do medo, um Deus temível que estava profundamente enraizado na infância.

De que jeito eu iria deixar entrar um Deus desse tipo na minha vida? Afinal de contas, não era Ele a causa de todos os meus males, em primeiro lugar? Mas espere aí, aquelas corujas sábias que eu escutara nas salas estavam me dizendo para entregar e confiar? Apesar de tudo, elas pareciam ter encontrado algum tipo de serenidade e talvez isso também pudesse existir para mim, se eu tivesse a coragem de andar no caminho delas.

Onde elas haviam encontrado a fé que traz a confiança, e de onde receberam o poder que as capacitava a largar tudo, a entregar-se absolutamente? Através da prece e da meditação, falavam elas. E não me haviam dito que o antídoto para o medo era a fé, e que a fé não era fé até que fosse a única coisa à qual você se apega? E largar tudo absolutamente não significa, na verdade, largar tudo em matéria de emoções?

Se não consigo desapegar-me emocionalmente, especialmente na minha relação com outros, é quando permito que as pessoas habitem na minha cabeça. Então a minha doença do alcoolismo toma conta e me torna vulnerável, o que deixa entrar os pensamentos negativos, que derivam da minha natureza negativa, que me força a ficar conversando na minha mente com essas pessoas. Esse é o ponto onde entrego meu poder, que me rouba de qualquer paz ou contentamento que Deus pretendia que tenha nesta vida.

Então, o que significa hoje para mim a entrega absoluta? Desapegar-me totalmente, significa deixar ir embora as coisas emocionalmente a partir do coração, não da cabeça. Meias medidas não me adiantam nada, e entregar-me e deixar Deus agir é confiar sem medo da perda do controle. Confiar em Deus é andar no meio da tormenta, crendo na Sua promessa, mesmo quando você não enxerga as Suas pegadas.

Devo confessar que ainda tenho muito a fazer no sentido de crescer espiritualmente, emocionalmente e mentalmente, bem nessa ordem. Trabalho nisso à medida que sigo adiante, dia após dia, orando muito às vezes para permanecer no agora, procurando lembrar-me que Ele me ama como sou, e que a coisa mais importante para Deus, nesta vida, é o momento presente, não esquecendo que o primeiro gole é o fósforo que acende o estopim da bomba. Permitam-me concluir dizendo: “Meu reino pela maturidade, mas não minha sobriedade por um reino”..

Voltem sempre. Preciso de vocês. (Little Phil, Revista Share)

Vivência nº 77 – Maio/Junho 2002