O princípio da pobreza corporativa

Box 4-5-9, Out. Nov./2004 (pág. 6-7) 

Título original: “‘Una página brillante de la historia de A.A. – El principio de la pobreza corporativa”.

“Para ser membro de A.A. não há taxas nem mensalidades; somos autossuficientes, graças às nossas contribuições”. Ouvimos estas palavras com tanta frequência que é fácil perder a noção do significado extraordinário que elas têm. Talvez não tenha existido na história uma organização que tenha realizado esforços tão grandes para evitar o acúmulo de riquezas.

Não aceitamos contribuições de pessoas que não são membros nem de instituições alheias – e inclusive colocamos limites para a quantia que cada membro pode dar.

Não participamos de arrecadações de fundos sistemáticas nem solicitamos empréstimos. Mantemos a nós mesmos com as contribuições voluntárias e espontâneas dos membros e das vendas da nossa literatura. E quando, como Irmandade, temos mais dinheiro do que precisamos, agimos imediatamente para nos desfazer dele.

Em resumo, a atitude e as ações de A.A. respeito ao dinheiro faz pouco caso da sabedoria convencional e das práticas comerciais comuns. Em “A.A. Atinge a Maioridade”,Bill W. descrevia as três tentações principais enfrentadas pelos membros fundadores na medida em que foi evoluindo a nossa tradição com o dinheiro. Primeiro houve a grandiosa ideia de que A.A. deveria construir hospitais e participar na educação geral sobre o álcool. “A segunda tentação”,ele diz, “levou-nos ao extremo oposto.

Chegamos a ter tanto medo do dinheiro que nos tornamos mesquinhos,quase recusando-nos a sustentar os serviços simples, mas essenciais de A.A… Ainda na atualidade não foi possível erradicar totalmente este prejuízo… “A nossa terceira tentação financeira foi a mais perigosa das três”.

Um amigo de A.A. deixou no seu testamento a quantia de dez mil dólares para a Irmandade; a questão era se a Irmandade devia ou não aceitar essa doação. Naquela época, a Fundação do Alcoólico –atualmente Junta de Serviços Gerais de A.A., precisava urgentemente de dinheiro.

Os Grupos não estavam mantendo o Escritório e muitos temiam que nunca chegassem a fazê-lo. Os Custódios sabiam que nos testamentos de amigos endinheirados constavam doações para A.A. de mais de meio milhão de dólares – suficientes para tornar a Irmandade rica. “Comparada com esta perspectiva”, escreveu Bill, “a doação de dez mil dólares não era grande coisa. Mas, da mesma maneira que o primeiro gole para o alcoólico poderia, se o aceitássemos, provocar inevitavelmente uma desastrosa reação em cadeia. Aonde nos levaria? Quem paga o músico tem o direito de escolher a canção…

A pressão exercida por uma tesouraria poderosa, com certeza iria tentar a Junta a inventar todo tipo de ideias para investir os fundos que desviariam A.A. do seu propósito primordial, e os membros encolheriam os ombros dizendo‘para que se molestar em contribuir?’ Então nossos Custódios escreveram uma página brilhante da história de A.A. Optaram pelo principio de que A.A. sempre deveria ser pobre. Desse momento em diante, a politica financeira da Fundação foi a de manter os fundos necessários para os gastos de funcionamento mais um reserva prudente…

Nesse momento, o principio da pobreza corporativa foi incorporado firme e definitivamente na tradição de A.A.”. O princípio é simples. Colocá-lo em prática, às vezes é complicado. Certamente, ao nível do Grupo não é muito complicado: Guardar dinheiro suficiente para pagar o aluguel, comprar café e literatura e manter uma reserva prudente para os gastos de uns dois meses é o suficiente. Qualquer quantia em excesso tradicionalmente é enviada ao Distrito, Escritório de Serviços Locais – ESL, Área e Escritório de Serviços Gerais – ESG.

Entretanto, praticar o princípio da pobreza corporativa ao nível do ESG é muito mais complicado. A Junta de Custódios estabeleceu em 1954 um fundo de reserva cujo propósito é o de proporcionar os recursos econômicos necessários para manter os serviços essenciais do ESG e da Grapevine (equivalente no Brasil à revista Vivência), no caso de emergência ou de desastre, e para cobrir gastos extraordinários ou inesperados.

A renda do Fundo de Reserva provém de duas fontes: contribuições dos Grupos e do resultado da venda de literatura. A Conferência de Serviços Gerais, junto com o Comitê de Finanças dos Custódios, supervisiona cuidadosamente o fundo, e estabeleceu como limite o equivalente a não mais de um ano de gastos combinados de operações da A.A. World Services (Serviços Mundiais de A.A.) e a Grapevine.

Numa apresentação feita em 1994, Gary Glynn, Custódio não alcoólico, falava sobre a “ação de equilíbrio” que assumimos: “Ter demais, e discutir sobre a perigosa riqueza e poder, perdendo de vista nosso objetivo primordial de levar a mensagem. Ter pouco, e perdemos totalmente a capacidade de levar a mensagem”.

Nossos Custódios podem contar com que os Grupos, através dos Delegados à Conferencia, não deixem que a Irmandade se desvie de seu objetivo primordial; manter o saldo do Fundo de Reserva controlado costuma ser um desafio mais difícil. Se nossa reservas crescem demais, os Custódios e os Delegados trabalham juntos para encontrar soluções a fim de baixa-las a níveis aceitáveis. Ainda quando o Fundo de Reserva está dentro do seu limite, a quantidade de dinheiro que se requer para sufragar os nossos serviços é impressionante, e inevitavelmente alguns Grupos se perguntarão se deveriam enviar algum dinheiro ao ESG. Em 2003, da mesma maneira que em quase todos os anos recentes, contribuíram menos da metade dos Grupos inscritos no ESG.

Já que todos os Grupos recebem exatamente os mesmos serviços, contribuam ou não, porque enviar contribuições? Na realidade, há importantes razões para fazê-lo. Quando as contribuições dos Grupos são elevadas, todos se beneficiam. Os preços da literatura podem ser mantidos baixos, o que ajuda os Grupos a levar a mensagem e manter baixos seus gastos.

Mas, num sentido mais profundo, as razões não tem nada a ver com o dinheiro e sim com o desenvolvimento espiritual. Quando os Grupos contribuem com os serviços mundiais de A.A., se convertem numa parte daquilo que o Primeiro Conceito chama de “a consciência coletiva da nossa Irmandade”.

As contribuições são tão importantes para quem as dá quanto para quem as recebe. Da mesma maneira que a participação no serviço enriquece nossa sobriedade, ajudar a manter os serviços de A.A. faz com que cada Grupo forme uma parte integrante para levar a mensagem muito além dos seus próprios limites.

Gary Glynn descreveu a pobreza corporativa como um dos “princípios espirituais e práticos que asseguram o futuro de A.A… Acredito que em A.A. o espiritual e o prático são a mesma coisa. Tudo o que vá ter uma utilidade prática para nós tem que ser também espiritual…”.

Nossas ideias sobre as finanças, conforme a prática comercial comum são totalmente impraticáveis. Mas, neste campo tão prático, o mundo do dinheiro, nossos princípios espirituais forjados na bigorna da experiência nos possibilitaram superar os obstáculos de mais de seis décadas e, sem dúvida, iram-nos manter seguros nas décadas futuras.