Desta vez, nossa comunicação consigo tem como finalidade detalhar o conceito e a dinâmica de funcionamento dos grupos de Alcoólicos Anônimos, focalizando as relações entre a prática do programa de Doze Passos (de natureza pessoal/individual) e o conjunto das Doze Tradições (pertencimento, convivência, consciência coletiva).
Nossa definição mais simples é: “Dois ou três alcoólicos quaisquer reunidos em busca de sobriedade podem autodenominar-se um grupo de A.A., desde que, como grupo, não tenha qualquer outra afiliação”. Ou, na versão bem-humorada de nossos cofundadores, para formar um novo grupo de A.A. basta uma garrafa térmica e um ressentimento! Brincadeiras à parte, é no grupo de A.A. que a reabilitação do alcoolismo cria raízes, integrada a um processo de reeducação da sociabilidade num espaço relativamente protegido, mas que, ao mesmo tempo, reproduz, em essência, o microcosmo da sociedade.
É no cotidiano do grupo que cada membro encontra seu padrinho e sua madrinha. É lá que aprendemos a ouvir e expressar-nos com honestidade e respeito. Praticamos simples atividades da vida diária – preparar litros de café, limpar banheiros, higienizar e adequar ambientes similares aos de uma casa, na qual um dia fomos visitantes e hoje somos anfitriões. Participamos de discussões, tomadas de decisão, votações e eleições coletivas, envolvendo assuntos internos e questões da Irmandade como um todo. Exercitamos a representação em fóruns mais abrangentes. Reaprendemos a honrar compromissos assumidos – pagamentos, manutenções, contribuições à Irmandade, eventos, ações na comunidade. Incorporamos a habilidade de permanecer: abstêmios do álcool, cultivando vínculos de amizade, apadrinhamento e cooperação com a comunidade; voltamos a ser úteis.
Todo coletivo que se autodenomina Grupo de A.A. é uma entidade informal, sem existência jurídica, que paga aluguel comercial ou funciona em dependências cedidas por terceiros (instituições públicas, filantrópicas ou privadas). Oferece reuniões semanais dentro das possibilidades dos membros: atualmente, boa parte dos pequenos grupos brasileiros disponibiliza apenas uma ou duas reuniões de depoimentos, enquanto grupos maiores e mais estruturados realizam reuniões diárias e de diferentes tipos: depoimentos, estudo de literatura, reuniões especiais para novos, mulheres ou outros perfis, palestras, informativas ao público, além de reuniões de serviço (de caráter administrativo).
Todo grupo de A.A. é (meramente) convidado a praticar e preservar as chamadas Doze Tradições de A.A., zelando por sua unidade, evitando todo e qualquer tipo de governo pessoal com espírito de serviço — não aplicando sanções, não expulsando ninguém, não cobrando taxas, não impondo nenhum requisito para o ingresso de membros desejosos de pararem de beber; exercitando sua autonomia em relação a seus próprios assuntos e integração à Irmandade em relação aos assuntos comuns, numa lógica regional, nacional e global; limitando sua ação coletiva ao único propósito de A.A. — portanto, abstendo-se de toda controvérsia pública e de sancionar, financiar ou emprestar o nome de A.A. a quaisquer empreendimentos alheios; organizando um comitê rotativo de serviços, com o cuidado de nunca profissionalizar/remunerar o chamado trabalho do Décimo Segundo Passo (transmissão da mensagem na comunidade e na sociedade); e preservando 100% do anonimato pessoal em nível público, disseminando os princípios de A.A. sem divulgar publicamente a identidade dos membros.
Tudo isso enquanto aprendemos o modo de vida de A.A., alcançado pela prática dos Doze Passos numa base diária, conforme expusemos mais demoradamente numa das nossas mensagens anteriores.
Em resumo, consideramos cada grupo de A.A. como um coletivo leigo e de natureza espiritual, cujo único patrimônio é a experiência acumulada dos membros na vivência e na recuperação do alcoolismo. Muitos AAs consideram seu grupo-base como segunda família, ou família espiritual, encontrando tempo e (pouco) dinheiro, dentro de suas possibilidades e desejos, para tomar parte na corrente viva de propagação da esperança, enquanto o alcoolismo permanecer como um problema para sociedades, famílias e, principalmente, para quem bebe problematicamente.
Grupos & profissionais não alcoólicos
A grande heterogeneidade dos grupos de A.A. existentes no mundo – e também no Brasil – coloca um desafio adicional ao nosso propósito de cooperação sem afiliação – desafio que só podemos superar com ajuda dos nossos amigos não alcoólicos, profissionais em todos os campos de atividade social.
De fato, ao longo da história de A.A., o que mais tem contribuído para a contínua melhora da estruturação, da qualidade e do serviço prestado pelos grupos é o crescimento da demanda, da procura por A.A. por parte de mais e mais alcoólicos encaminhados a nós por juízes, educadores, policiais, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e muitos outros.
Nos grupos de A.A. nunca controlamos nem forçamos nenhum bebedor-problema a abster-se de álcool, nem a frequentar reuniões regularmente; contudo, muitos profissionais possuem – e usam – sua autoridade, específica, dada por sua formação técnica e pelas atribuições e prerrogativas legais específicas do seu ofício, para propiciar a mais alcoólicos a chance de reabilitação que eles mesmos, tantas vezes, se negam. Assim, muitos chegam aos grupos por imposição externa (judicial, médica, laboral etc.), mas, uma vez lá, identificam-se e permanecem conosco por vontade própria.
Mais ainda, muitos amigos não alcoólicos têm estabelecido vínculos regulares com grupos e membros de A.A., obrigando-nos a funcionar melhor pelo estímulo concreto e desafiante de ações pactuadas por ambas as partes, propiciando que desenvolvamos novas e melhores habilidades, envolvendo também os recém-chegados nessas ações, pelo apadrinhamento.
É assim que, com gratidão e entusiasmo, integramos, hoje, um círculo virtuoso com nossos amigos não alcoólicos, no lugar do antigo círculo vicioso do beber-problemático.
A tolerância, confiança e generosidade destes profissionais para conosco são imensuráveis, pois reiteradamente relevam nossas eventuais falhas, deficiências e até contradições, apostando nas possibilidades de superação por intermédio de mais ação.
A única forma de gratidão que podemos oferecer é permanecermos à sua disposição, comprometendo-nos a melhorar sempre mais — afinal, é isso que precisamos continuar praticando para permanecermos sóbrios, felizes e úteis!
Fraternamente,
Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil
Comitê Trabalhando com os Outros.
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