A consciência coletiva​

Dr. Lais Marques da Silva

Ex-Custódio e Presidente da JUNAAB

“ …um Deus amantíssimo que Se manifesta em nossa consciência coletiva”.

“…que todas as decisões importantes sejam tomadas através de discussão, votação e, sempre que possível, por substancial unanimidade”.

Introdução

Tive a excepcional oportunidade de estar presente a nove Conferências de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil. Nelas, buscaram-se caminhos para a Irmandade como um todo e procuraram-se os melhores encaminhamentos para a solução de situações que ocorreram na vida da Irmandade, encaminhamentos esses que se constituíram em fundamento para a tomada de importantes decisões. No decurso dessas grandes reuniões, os eventos se mostraram ainda mais valiosos do que o já tão significativo processo de autogestão, em si.

Todo o trabalho realizado no decurso de uma conferência é de grande valor para a vida da Irmandade não só para o momento que passa, mas é também determinante em relação aos dias futuros. É assentado num processo de caráter fundamental, que é o da busca da Consciência Coletiva. Além de sábio em si mesmo, é, sobretudo, inspirado pelo Poder Superior, poderosa fonte de iluminação, valiosa e norteadora dos destinos de centenas de milhares de seres humanos vitimados pelo mesmo demônio, o alcoolismo, e que hoje estão presentes nos grupos de Alcoólicos Anônimos, no Brasil. Mas é também igualmente importante para a existência da Irmandade de Alcoólicos Anônimos em todo o mundo no que ela representa de caminho de salvação para milhões de seres humanos, hoje sofrendo nas garras do alcoolismo.

Coloquei neste trabalho o que vi e aprendi no convívio com os companheiros de Alcoólicos Anônimos, além do resultado da minha experiência pessoal no período em que fui presidente da Junta de Custódios e da JUNAAB, ocasião em que procurei aplicar os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, inspirado que fui pela poder da Segunda Tradição. Consciente da sua importância fundamental para os dias de hoje e para o futuro da Irmandade, coloco nas páginas desse trabalho a minha esperança de um horizonte radioso não só para os que sofrem nas garras do alcoolismo, mas para toda a humanidade.

Uma pequena história dentro de uma grande história

Há uma pequena história, muito antiga, que nos ajuda a entender a fragilidade dos seres humanos, a sua necessidade de cooperar e, sobretudo, a entender o quanto dependemos uns dos outros.

Na mitologia grega, os deuses resolveram habitar o mundo e criar a humanidade. Criaram os mortais, os seres vivos, e também as condições para a existência de todas as espécies que iriam coabitar na Terra. Encarregaram Epimeteu, cujo nome significa reflexão posterior, ou seja, aquele que só se da conta da coisa errada depois que a fez, de prover os futuros seres vivos com as qualidades necessárias à sua sobrevivência. Assim, foram dados a cada espécie os equipamentos necessários para que se alimentassem e resistissem às intempéries, como: peles, lã, carapaça, etc. e ainda para se defender uns dos outros: as garras, chifres e velocidade na corrida.

Todas as espécies foram equipadas mas, no momento de criar o homem, nada havia sobrado. Epimeteu tinha esquecido dele e, assim, o homem continuava nu e desarmado. Para que essa espécie não desaparecesse, Prometeu, cujo nome significa previdente, foi chamado pelo imprevidente irmão, Epimeteu, e encarregou-se de roubar dos deuses o fogo e as artes para dá-las aos homens. Distribuiu as artes de que dispunha mas elas não foram suficientes, em número, para dar um conjunto completo a todos os homens. Assim, deu talentos diferentes a cada um de modo que, para sobreviverem, deveriam intercambiar as suas dádivas e, portanto, cooperar entre si e o que resultou é que todos se tornaram dependentes uns dos outros. Prometeu também moldou os homens de forma mais nobre e os capacitou a caminhar de forma ereta. Desse modo, puderam se alimentar e resistir ao frio, mas continuaram não podendo se defender contra outras espécies por não possuíram armas. Mas o presente do fogo que Prometeu deu à humanidade foi mais valioso do que quaisquer um dos que haviam sido dados aos animais.

Os homens procuraram então estar reunidos para se defender dos animais e se agruparam em cidades, mas não conseguiram viver juntos porque disputavam entre si e frequentemente guerreavam uns contra os outros. Como conseqüência, dispersaram-se pela floresta e foram novamente ameaçados de extinção pelas outras espécies de animais. Dessa vez, foi o próprio Zeus, o Deus mitológico maior, que salvou os homens dotando-os de qualidades morais, de senso de justiça e de respeito a si mesmos, o que permitiu que cada um pudesse viver em coletividade com os outros. O gênero humano foi salvo e por isso, hoje, os homens vivem em comunidades e não isolados, como a maioria dos outros animais. Mas os homens continuaram frágeis e desamparados e é isso que nós somos e a nossa sobrevivência continua dependendo de que troquemos as nossas dádivas, as nossas riquezas interiores.

A vida é difícil. Encontrar o caminho que se vai trilhar na vida é difícil. O caminho tem que ser feito em solo árido e pedregoso, e machuca. Não há indicações nem avisos. Nenhuma orientação. Em realidade, cada um de nós faz o seu próprio caminho ao longo da vida e o caminho é feito tão somente ao caminhar. Mas a boa notícia é que não temos que fazer o caminho sozinhos e podemos recorrer a um poder maior que nos dá força e do qual a maioria das pessoas tem consciência. Ainda mais, na medida em que vamos fazendo o nosso caminho, podemos nos ajudar uns aos outros, intercambiando os talentos que recebemos.

Podemos trocar nossas riquezas interiores. Podemos trocar experiências, forças e esperanças. Podemos cooperar uns com os outros. Podemos nos solidarizar. Podemos ser tolerantes. Podermos ser solidários e desenvolver o amor ao próximo. Podemos nos compadecer. Podemos entender que somos irmãos. Assim, Ele não estará apenas no meio de nós, como que espalhado num grupo de seres humanos, mas entre nós. Presente a partir do nosso relacionamento fraterno. Então, teremos condições de vislumbrar o caminho e encontrar a coragem para trilhá-lo.

Como não é possível simplificar as coisas e obter respostas fáceis, é preciso pensar de modo abrangente, aceitar os mistérios e os paradoxos da vida e não desanimar ante a multidão de causas e conseqüências que são inerentes a cada experiência humana. Enfim, aceitar e valorizar o fato de que a vida é complexa.

Agora, vamos ao homem e às suas instituições. No caso do A.A., à Irmandade, como um todo. Aos serviços que definem a ação. O A.A. é uma irmandade em ação.

No mundo em que vivemos, existem as autoridades, os líderes, os governantes, os chefes, o Papa, etc. e, desde pequenos, nos acostumamos a recorrer à autoridade dos nossos pais e a essas outras autoridades. Resumindo, nos acostumamos a procurar uma orientação que vem de fora. Essas autoridades se apóiam em dogmas, em normas estabelecidas ao longo do tempo, na força da imposição, ou seja, numa estrutura de poder, que pode ser definida como a capacidade de mudar o comportamento do outro. Mas tudo isso é muito estranho ao A.A.. Ele é fruto de uma concepção muito melhor, muito mais perfeita do que isso que acabamos de ver.

Historicamente, os co-fundadores eram solicitados para dar orientações, idéias, sugestões ou até para buscar soluções para as novas realidades que iam surgindo em decorrência do fato de o A.A. ser uma Irmandade viva, em ação. Mas eles se deram conta de que as suas vidas eram finitas e de que a irmandade, tal como era, tinha que encontrar, em si mesma, os melhores caminhos para continuar viva e em ação.

Seria algo como desenvolver um processo de autogestão, gestão que vem de dentro, e esse modelo se assenta no processo de busca da consciência coletiva que se constitui no alicerce desse modelo. É a chave para o seu funcionamento, baseado no fato de que o Poder Superior se manifesta em um determinado momento da troca de riquezas interiores e de cooperação que ocorrem ao longo dessa busca da consciência coletiva.

Procurei estudar, conhecer esse processo e o que me foi possível entender, apreender, está colocado no trabalho sobre consciência coletiva. É a minha visão atual e, por certo, ainda incompleta.

Outro aspecto que gostaria de enfocar é o que revela um paradoxo. Mais presentes do que pensamos nas nossas vidas, apesar do desconforto que causam à nossa formação racionalista. Diz-se até que alguma coisa só é verdadeira quando contém o paradoxo.

É que o A.A. não muda, pois tem princípios sólidos, cuja vitalidade tem-se mostrado extraordinária ao longo de mais de 70 anos de existência. Não muda mas muda. Aí está um paradoxo.

Os animais pré-históricos que não mudaram também não mais existem e o A.A. não tem vocação para se tornar um dinossauro. O fato é que não muda na sua essência, mas se renova, se adapta e se atualiza a cada ano, porque a cada ano se repensa, se mantém com vitalidade renovada, mais especificamente, após cada Conferência.

Essa é a idéia-força que está subjacente a todo o processo da Conferência e que precisa ser identificada. Alias, é essencial que seja identificada para que os membros que dela participam tenham plena consciência da importância do trabalho que realizam.

A Conferência tem uma exterioridade, ela é bonita, mas tem, sobretudo, uma essência, um conteúdo interior maior e mais importante. Tem uma roupagem e um corpo igualmente muito bonito e, por certo, mais importante.

Um outro aspecto que é preciso destacar é que a realidade com que, a todo o momento, nos defrontamos não tem nada de simples. O mundo não é feito apenas em preto e branco, mas também de muitos tons de cinza e de todas as cores e suas nuances. A realidade se apresenta sempre sob múltiplos aspectos. Frequentemente, não somos capazes de identificar, sozinhos, toda a complexidade de uma determinada situação. Mas, se ela for analisada também por outros companheiros, aí teremos a possibilidade de, participando da busca conjunta da consciência coletiva, alargar o nosso campo de visão e conhecer melhor para melhor decidir e melhor agir.

Finalmente, vale ressaltar que, se a Conferência é colocada frente às realidades do A.A. do Brasil, isso não levará à conclusão de que resultariam irmandades muito diferentes nos diversos países do mundo. E isso porque são realizadas reuniões mundiais, a cada dois anos, de que numerosos países participam e nas quais também se busca a consciência coletiva, a integração em um só corpo, sendo que as diferenças locais apenas enriquecem o todo e o A.A. será eterno, enquanto assim funcionar.

O que é consciência coletiva?

É uma condição a que se chega por meio da participação de todos os membros que compõem um grupo, usualmente em reuniões de serviço, por meio de um processo no qual se busca o conhecimento mais completo de algum assunto ou a solução para um determinado problema que tenha sido colocado em estudo, podendo resultar em se optar por ações que, eventualmente, irão ser empreendidas.

Como se desenvolve o processo?

Dando a oportunidade e até mesmo solicitando que todos os membros presentes e participantes de uma reunião para que ofereçam as suas contribuições, tanto para o estudo de um problema quanto para a sua solução. Isto significa que ninguém deve ser excluído, que ninguém deve ficar de fora. É indispensável que o coordenador seja suficientemente hábil para conter os que procuram impor as suas vontades e pontos de vista e, para isso, deve limitar o tempo de que cada membro irá dispor para apresentar a sua contribuição e, ao mesmo tempo, será necessário oferecer aos mais retraídos a mesma oportunidade e o mesmo espaço de tempo para participar no processo de busca da consciência coletiva. Não só oferecer, mas, muitas vezes, será necessário até solicitar que os mais tímidos apresentem os seus pontos de vista. O poder coletivo, desse modo, contém o poder individual, a grandiosidade do alcoólico.

Numa primeira rodada, em que cada um dos participantes da reunião, de forma sequencial e ordenada, expõe a sua opinião acerca do assunto em estudo, pode ocorrer que as colocações fiquem muito distantes umas das outras, mas, quando se faz uma nova rodada de opiniões na qual se busca um melhor entendimento acerca do assunto, observa-se que, após pensar e meditar por algum tempo acerca do que havia sido colocado por cada um dos companheiros, anteriormente, as opiniões então emitidas vão tendendo para uma área mais central, vão ficando menos distantes entre si, vão convergindo em torno de uma ideia ou decisão que, num certo momento, surgirá como sendo apoiada por uma substancial unanimidade. As opiniões vão gradativamente tendendo para um ponto central. Não há limitação quanto ao número necessário de rodadas nem quanto ao tempo que cada uma irá consumir. O processo deverá demorar o que for necessário. O que se verifica é que, numa primeira rodada, os companheiros usam a palavra para expressar apenas opiniões e, na maioria dos casos, as opiniões formam, no seu conjunto, uma plataforma instável. De início, as opiniões são colocadas com forte conteúdo emocional, sem uma boa base racional, sendo comum que os companheiros se expressem com paixão, que é a medida da falta de convicção, de racionalidade e a paixão pode ter origem na desconfiança, na inveja, no medo, na ira, etc. Já, numa segunda ou terceira rodadas, o que se observa, frequentemente, é que as colocações são mais elaboradas, mais estudadas, já se apresentam como convicções e ainda que, pela multiplicação das vias de abordagem, faz-se um esforço para pensar de modo mais claro e profundo sobre o assunto em tela.

Todos devem ser ouvidos, é necessário que haja ampla participação, os assuntos precisam ser estudados por completo e detalhadamente diante do fato de que as decisões a serem tomadas são sempre importantes. Esse processo pode exigir um longo tempo de participação e de maturação, um esforço prolongado por parte dos participantes, e, às vezes, é conveniente que se decida por uma parada, por um momento de relaxamento para tomar um cafezinho. O importante é que não haja pressa.

O que procuramos conhecer, tão completamente quanto possível, quando participamos de uma reunião de serviço e buscamos a consciência coletiva, são as circunstâncias que cercam a matéria em estudo, como uma forma segura de adquirir conhecimento a seu respeito. Usualmente, os participantes dos grupos têm posições sedimentadas e que se consolidaram ao longo de anos de vida acerca de tudo que nos cerca, mas frequentemente elas são equivocadas porque fruto de tradições, comportamentos, hábitos herdados, preconceitos, superstições, raivas, crenças infundadas, etc., etc. Estar com a mente aberta, ao participar da busca de conhecimento, significa aceitar que as nossas convicções pessoais, no momento em que o processo se desenvolve, ficam sem base segura e como que soltas no ar em vez de assentadas em alicerces sólidos. Assim, ficamos aptos para apreciar as novas informações e capacitados para descortinar horizontes mais largos.

Como decorrência do fato de que todos têm igual direito de participar e de opinar, resulta que o poder coletivo atua de modo a limitar o poder individual. A linguagem, o diálogo e a discussão de um determinado tema atenuam as posições conflitantes. Como todos podem interrogar, questionar e contra-argumentar, resulta que a razão supera a força e controla o exercício do poder. A linguagem tende a ser racional e as discussões pressupõem a apresentação de justificativas, de argumentos e todos devem estar abertos ao questionamento. Como nenhum companheiro detém a verdade em um sentido completo e absoluto, o processo decisório passa pela superação de diferenças e implica na convergência em torno do interesse comum e dos objetivos orientados pelos princípios de A.A., para se chegar ao consenso. As diferenças e divergências existentes podem ser superadas por meio do entendimento mútuo e diante do interesse comum.

O consenso, como forma de tomar decisões, implica em que deve haver um espaço para justificar, explicar, persuadir e convencer e que deve ser concedido a cada um dos participantes da reunião a mesma oportunidade, não cabendo dispor de força, privilégio ou autoridade especial. Portanto, não deverão existir condições para a imposição, para a violência ou para o privilégio, que são formas de exercício do poder. Entre eles não existem desigualdades em relações de poder que impeçam o livre fluxo de argumentos. A razão se sobrepõe à força e é uma das formas de controle do exercício do poder. O uso de linguagem adequada torna o ambiente racional, e nele, as discussões têm o seu fundamento na apresentação de justificativas e de argumentos num ambiente que deve ser aberto à interpelação e ao questionamento. O fato é que o “bem é a finalidade de todas as nossas ações”, como diz Sócrates no Górgias.

Ocorre, na busca da consciência coletiva, que os companheiros entrem num processo de reflexão, de flexão sobre si mesmos, que olhem para dentro, quando então, frequentemente, descobrem que não sabem tanto quanto pensavam sobre o assunto que está sendo tratado resultando que se tornem mais humildes e tolerantes e assumam atitude mais sóbria. Cada um dos companheiros presentes numa reunião de serviço exercita a sua capacidade de apreciar uma determinada questão, de desenvolver a imaginação e de cultivar a mente aberta. Assim é que funcionam as coisas no âmbito do que é humano, com a pluralidade e a relatividade essenciais que lhe são próprias. Fatos e opiniões, embora distintas, não estão necessariamente em oposição uma vez que fazem parte de uma mesma realidade. A crítica que é feita ao longo do processo é o que de melhor dispomos, como seres humanos, diante dos nossos equívocos, meditações e sonhos. Percebemos que não podemos mastigar o que já havíamos engolido e que já se tornara parte das nossas convicções, e que esse é o único modo de evoluir, de se livrar do que nos possa paralisar ou limitar o ângulo da nossa visão. Assim, ficamos abertos para novos argumentos e o que fazemos é proceder a um debate crítico, possível porque aceitamos a contribuição feita por outro companheiro. Essa atitude tem o mérito de romper qualquer resquício de preconceito, dogmatismo ou fundamentalismo.

Talvez a reunião se prolongue bastante e é possível que poucos itens de uma agenda sejam abordados ou ainda que poucas decisões sejam tomadas, mas o que é preciso ter em mente é que o processo em si é o fato mais importante e isso porque tem valor terapêutico. Ele vale, em primeiro lugar, pela evolução e pelo crescimento espiritual que propicia. É preciso abandonar o vício da rapidez, interromper a marcha acelerada e transformar a nossa frenética cultura em alguma coisa mais humana, pois a velocidade dificulta o pensamento e a reflexão. A Irmandade de Alcoólicos Anônimos não é uma empresa em que a eficiência e o uso do tempo ficam em função dos resultados esperados e dos objetivos fixados por um processo administrativo. Em Alcoólicos Anônimos, tempo não é dinheiro; é saúde, é recuperação, é crescimento espiritual, sobretudo. A Irmandade de Alcoólicos Anônimos é uma Irmandade em que todos procuram deter a sua doença e entrar num processo de cura, não física, mas psicológica e espiritual e a participação no serviço, especialmente no processo que leva à consciência coletiva, tem grande importância para a recuperação e para que se possa alcançar a serenidade. O próprio processo da busca da consciência coletiva é, pela sua natureza, uma maneira de diminuir a velocidade que impomos às nossas vidas, de evitar o estresse. Nele tudo se desenvolve sem obsessividade e cada membro participante vive um agora mais longo, mais demorado.

Por que é importante chegar à consciência coletiva?

Porque é um processo sábio, do qual não sairão vencedores nem vencidos. Porque, pela ampla participação, todos aceitam, ao final e ao cabo, e sem resistências psicológicas, as decisões que foram acordadas e ainda porque, em face da ampla participação, todos se sentem igualmente responsáveis pelas ações que serão tomadas e também pelas suas conseqüências. Numa visão maior, até mesmo pelos destinos da Irmandade de Alcoólicos Anônimos.

Ao longo do processo de busca da consciência coletiva, tudo se passa como se cada companheiro presente tivesse um fragmento de um espelho quebrado. No evoluir do processo de busca, esses fragmentos vão progressivamente sendo encaixado até que se chega a um momento em que a totalidade do espelho é reconstituída, com toda a sua beleza e brilho. É o momento em que o Poder Superior se manifesta.

O usual é que procuremos ser mais espertos e controlar uns aos outros em função de objetivos individuais ou dos interesses de pequenos grupos e isso costuma ocorrer ao nos comportarmos seguindo o modelo que recebemos no decurso das nossas vidas.

A atitude mental que se assume ao participar do processo em que se busca a consciência coletiva é a da procura da verdade em relação a uma determinada situação ou problema que está em apreciação. Ao se colocar nesta posição e abandonar a busca de provas de que está certo, o companheiro entra em contacto com uma verdade maior, transcendente, unificada e unificadora, que se manifesta no decurso do processo e, por outro lado, o desejo de buscar a verdade para uma determinada situação desperta a inspiração, cria um certo tipo de receptividade. A partir desta posição madura o companheiro se questiona se realmente o que vê é tudo que diz respeito ao problema em estudo e, usualmente, chega à conclusão de que a sua visão não é tão abrangente quanto imaginava. Passa a admitir que existem aspectos enriquecedores na visão de cada um dos outros companheiros que participam da reunião e o que há de inadequado na sua, o que traz alívio das tensões e facilita o desenvolvimento do processo. O companheiro se dá conta de que não estava tão certo quanto pensava. Ganha conhecimento acerca de aspectos do problema que não havia identificado anteriormente. Passa a ver não somente o seu lado, a sua pequena verdade, mas uma verdade maior, mais abrangente. Colocar-se neste ato de busca da consciência coletiva, de querer a verdade ou o que é mais conveniente para a solução de determinado problema, leva a renunciar ao que antes se apegava, àquilo que via como sendo a sua verdade. É estar disposto a ver além da sua perspectiva, do seu ângulo de visão. Nas relações humanas, aquele que só conhece o seu lado, em relação a um determinado assunto em estudo, sabe realmente pouco em relação a ele. Acresce ainda que, no caso de um grupo de companheiros, quando em cooperação, o todo humano que se forma é maior do que a soma das suas partes, de modo que cada membro poderá realizar, em conjunto com os outros, mais do que conseguiria se estivesse sozinho ou em grupos sem esse entendimento.

Procede-se a uma crítica racionalista e se o que chegamos como sendo o resultado da busca da consciência coletiva resistiu bem a todas as objeções, não há razões para acreditar que o resultado do trabalho não esteja correto. Se não estiver, pelo menos terá sido o que havia de melhor naquele momento. A crítica e o debate são os meios de que dispomos para chegar o mais perto possível do que é melhor para a Irmandade da Alcoólicos Anônimos.

Participar do processo que leva à consciência coletiva traz ganhos espirituais importantes para o membro de A.A., ameniza o ego e muda o seu comportamento quando, em decorrência, deixa de cultivar a separação. Acontece um importante ganho, um crescimento espiritual de grande valor para a recuperação do alcoólico.

O companheiro desiste da necessidade de vencer as pessoas com quem convive e da qual resulta, freqüentemente, em estar separado, isolado. Desiste de ser especial, diferenciado dos outros e de estar sempre com a razão, de querer que as coisas sejam do seu modo. A integração aperfeiçoa a sua individualidade, enriquece-o como indivíduo, o inclui na comunidade dos humanos e jamais diminui a sua dimensão pessoal.

Por meio da consciência coletiva, os conflitos podem ser resolvidos sem derramamento de sangue físico ou emocional e, mais ainda, com sabedoria. Sempre que se busca adequadamente chegar à consciência coletiva, os gladiadores baixam as armas e os escudos e se tornam hábeis em ouvir e entender e, sobretudo, em respeitar e aceitar os dons dos outros, bem como as suas limitações. Ao longo da busca da consciência coletiva, aceitamos que somos diferentes, mas que, por outro lado, estamos ligados aos demais membros pelas nossas feridas e pelo fato de estarmos aprendendo a lutar juntos, mais do que uns contra os outros. Os conflitos são resolvidos. Os membros aprendem a desistir de facções e de compor pequenos subgrupos. Aprendem a ouvir mutuamente e a não rejeitar.

O silêncio de quem escuta representa uma abertura, uma disponibilidade em relação ao outro. É como criar uma zona de silêncio que significa confiança no outro. Dar um lugar aos outros é indispensável para que possamos desenvolver a nossa relação existencial. A amabilidade do acolhimento, da abertura, não exclui a personalidade de quem escuta, daquele que procura o verdadeiro em meio a múltiplas verdades. Só assim se chega à plenitude do diálogo. É como viver as tarefas do mundo tais como elas se apresentam. A vida é então realizada e confirmada na concretude de cada instante, de cada dia.

A busca da consciência coletiva é uma experiência importante para por fim aos conflitos, pois, durante o processo de busca, não procuramos tirar a energia dos outros companheiros. Sempre que alguém sai vencedor, o perdedor fica deprimido, em baixa. Mas se procuramos a consciência coletiva, estaremos recebendo energia de uma outra fonte, do Poder Superior.

Não buscar a substancial unanimidade pode levar os participantes de uma reunião de serviço a encontrar um guru, um companheiro que se supõe saber de tudo ou até a um dono de grupo. Pode acontecer também que este sabe-tudo pense que os demais companheiros devam ser tratados com um rebanho de ovelhas.

Na consciência coletiva está contida a filosofia do diálogo, da relação entre os membros de AA. O que importa é uma relação desenvolvida no diálogo, na atitude existencial do face-a-face, na vibração recíproca. O diálogo assim desenvolvido abre novas perspectivas em relação ao sentido da existência humana de cada um dos membros participantes porque está voltado para um novo projeto de existência e não para um passado nostálgico. O processo da busca da consciência coletiva estabelece uma nova relação entre os membros de A.A. e, numa visão maior, entre os seres humanos.

Só seria possível pensar na libertação do alcoolismo a partir da libertação do próprio alcoólico das múltiplas prisões do seu egoísmo congênito, uma vez que a liberdade se encontra no compartilhar de experiências, forças e esperanças e no despertar do outro que ainda se encontra nas garras do alcoolismo. Os membros de A.A. não cessam de se enriquecer pela convivência com outros companheiros, cujas possibilidades são multiplicadas ao infinito pela magia dos seus poderes, sempre renovados, enquanto praticando o programa de recuperação. O amor ao próximo lhe dará a chave de todas as prisões, da própria libertação, da saída para uma nova vida.

Usualmente, ocorre uma importante mudança de comportamento em relação aos companheiros que é fundamental para o crescimento espiritual daqueles que estão em recuperação mas que, não obstante, tenham defeitos de caráter e entre eles a maldade. Aí o mal não fica apenas como um problema filosófico e religioso mas encontra um encaminhamento para a sua solução exatamente na mudança de atitude em relação aos irmãos.

O conjunto das relações sociais tende, naturalmente, ao conflito e às contradições.

Finalmente é preciso estar sempre alerta para o fato de que a fronteira entre o bem-estar, a felicidade e a alegria de vivermos numa autêntica comunidade e o conflito, o desgaste emocional e o perigo de uma recaída está em nós mesmos. Nós somos o teatro de uma luta contínua entre as forças da vida e da morte. Tudo depende do que fazemos a cada dia, a cada instante entre o bem e o mal, pois que estão estreitamente relacionados – “o inferno não é separado do paraíso senão pela espessura de um fio de cabelo”. Neste ponto, nesta escolha, está a possibilidade do surgimento de uma nova realidade, de um novo impulso que pode levar à realização plena das mais radiosas perspectivas que podemos ter a partir da infinita riqueza contida nos Legados de A.A. e, ainda, a possibilidade de que esse novo impulso abra as portas do sonho, tão necessário à própria sobrevivência, ao mesmo tempo em que abra as portas do caminho de salvação para outros alcoólicos.

A prática da Segunda Tradição é indispensável para que o conjunto de companheiros que compõem as reuniões de serviço possam chegar à solução de problemas e encontrar caminhos para a Irmandade como um todo. Essa prática determina a qualidade do trabalho realizado e os resultados das grandes reuniões, como as que ocorrem nas conferências de serviços gerais, nas inter-áreas, nas áreas, nas reuniões de distrito, etc. e até mesmo nas reuniões que contam com um menor número de companheiros, como usualmente ocorre nas reuniões de serviço dos grupos. É a aplicação prática de um conhecimento que harmoniza o conjunto das relações sociais, que naturalmente tendem ao conflito e às contradições, e evita o domínio do homem sobre o homem, além criar condições para que ocorra a emancipação humana.

Se consultada a consciência coletiva, as decisões são realistas.

A ampla participação assegura que a realidade seja conhecida nos seus mais diferentes aspectos, que nenhuma particularidade seja omitida, que nenhuma conseqüência das decisões a serem tomadas deixe de ser considerada e avaliada. O estudo resulta sempre completo porque é o resultado da soma de todas as experiências, de todas as visões. Significa que se estuda e se decide com segurança.

Freqüentemente, o nosso narcisismo nos faz sentir que somos os guardiões de uma estrutura frágil e ameaçada e que, se não fosse por nós, tudo já estaria perdido. Isso é a manifestação de que algo está errado com a nossa saúde mental e espiritual e que é preciso colocar, lado a lado, a nossa realidade com a que é percebida pelos irmãos em quem confiamos. O fato é que a verdade compartilhada é poderosa, eleva o espírito e é por isso que interagimos quando participamos das atividades do grupo ou das que são mais ligadas ao serviço. Freqüentemente a verdade é um processo, o resultado de uma relação entre nós mesmos e os outros, que dá à verdade maior clareza e brilho. Precisamos de coragem para ver a verdade, mas ela nos fortalece, e estar dentro da realidade significa não estar alienado. Ocorre uma confiança no diálogo, na busca comum da verdade.

No conjunto, o grupo sempre aprecia melhor porque inclui membros com muitos e diferentes pontos de vista e com a liberdade assegurada de expressá-los por meio do processo que busca a consciência coletiva. Incorpora-se o claro e o escuro, o sagrado e o profano, a tristeza e a alegria, a glória e a lama e é por essa razão que as decisões são bem elaboradas. Não é provável que se deixe de apreciar algum aspecto importante. Como cada membro representa um padrão de referência e, se eles são muitos, o grupo de trabalho se aproxima mais e mais da realidade. As decisões são realistas e usualmente seguras.

Não ao totalitarismo

É comum pensar que as diferenças possam sempre ser resolvidas por uma autoridade maior. No passado de cada um de nós, era costumeiro apelar para a intervenção do pai ou da mãe para o entendimento de situações e para a solução de problemas. Procura-se freqüentemente até apelar para um ditador benevolente. Mas Alcoólicos Anônimos, em favor da maturidade dos seus membros, nunca pode ser totalitário.

Nós nos acostumamos, ao longo da nossa vida, a aceitar certas formas de autoridade que sempre serviram como orientação para definir a realidade em que vivemos e, sem ela, nos sentíamos confusos e perdidos. Mas a busca da consciência coletiva passa a ser o exercício através do qual sempre, e em grupo, encontramos a orientação, conhecemos de uma maneira mais completa a realidade e, é bom acentuar, sem a necessidade de qualquer autoridade que não a do Poder Superior. No decurso do processo de busca da consciência coletiva, acontece o retorno da sensação de segurança, agora sob uma forma mais espiritualizada, a segurança espiritual.

A maneira menos primitiva de se resolverem as diferenças individuais é a de apelar para o que chamamos de democracia. Pelo voto, determina-se o lado que prevalece. A maioria governa. Mas este processo exclui as aspirações da minoria. Diferentemente, o processo de tomada da consciência coletiva inclui as aspirações da minoria. É como transcender as diferenças pessoais de modo a incluir, na mesma medida, a minoria. Entrar no processo que leva à consciência coletiva é ir além da democracia. Recorrer ao voto não é a solução. Apenas o consenso integra as minorias e, em realidade, até evita a sua formação. O processo pelo qual se chega ao consenso é uma aventura porque não se pode antecipar o que vai resultar, é algo quase místico e mágico, mas que funciona.

Durante o processo de busca da consciência coletiva, a autoridade fica descentralizada. Não há líderes e, ao mesmo tempo, todos são igualmente líderes. Há um verdadeiro “fluxo de liderança”. Os membros se sentem livres para se expressar e para oferecer as suas contribuições e o fazem no exato momento e na devida dimensão. Há lideranças. É o espírito de comunidade que lidera e não o individualismo.

O desenvolvimento da humildade

O processo de busca da consciência coletiva atenua o individualismo áspero que leva à arrogância e isso se faz por meio da limitação da participação e ao evitar preponderância e excessos – a velha prepotência e a conhecida manipulação. O poder individual só é contido, só é limitado, pelo poder coletivo. Este é um princípio fundamental. É exatamente o que acontece no processo de busca da consciência coletiva.

Desenvolve-se, nos membros do grupo de trabalho, um individualismo ameno que leva à humildade. Durante o processo, as dádivas de todos são apreciadas e também reconhecidas as próprias limitações e isso está na base da aceitação das nossas imperfeições. “Conhece-te a ti mesmo” é uma regra segura para chegar à humildade.

Nesse momento, fica muito claro que o problema não é a dependência e sim a real interdependência. Não só os membros se tornam mais humildes, mas também o grupo como um todo.

O grupo como um lugar seguro

As pessoas se tornam mais amenas quando participam do processo de busca da consciência coletiva porque se olham através das lentes do respeito. O grupo se torna um lugar seguro porque há aceitação e compreensão, e as pessoas sentem com uma intensidade nova o amor e a confiança. Desarmam-se. Passa a haver a paz e, sobretudo, os membros aprendem a fazer a paz.

É também um lugar seguro porque no grupo ninguém está tentando curar, converter ou mudar o outro e, paradoxalmente, é exatamente por isso que a evolução espiritual e comportamental e, ainda, a conversão acontecem. No grupo, as pessoas são livres para serem elas mesmas, livres para procurar a própria saúde psicológica e espiritual. Tudo isso faz do grupo um lugar seguro em que as pessoas podem abrir mão das suas defesas, das suas máscaras, dos seus disfarces. Aceitamos ser vulneráveis, expor as nossas feridas e fraquezas, e assim fazendo, aprendemos também a ser afetados pelas feridas dos outros. O amor surge nesse compartilhar e isso é possível porque abrimos mão da norma social de pretender sermos invulneráveis.

Num lugar seguro, as pessoas se desarmam e aprendem a fazer a paz, que nasce do processo de busca da consciência coletiva.

Um estado de espírito muito especial

Quando nos preparamos psicologicamente para participar de uma reunião de serviço em que se vai à busca da consciência coletiva e nos sujeitamos ao processo que leva a ela, resulta o surgimento de uma atmosfera tal que, paradoxalmente, nela as pessoas falam mais baixo e, no entanto, são mais ouvidas. Nada é agitado e não se forma o caos.

Pode haver discussão e luta, mas ela é construtiva e move-se em direção ao consenso. Em realidade, entra-se no processo de formação de uma verdadeira comunidade.

Esse estado de espírito é indispensável para que se possa estar aberto para a manifestação do Poder Superior. Para a inspiração e para a voz do Espírito Santo.

Quando nos dirigimos para uma reunião de serviço, não podemos imaginar qual será o resultado dos trabalhos nem devemos interferir nele. O processo de formação da consciência coletiva é verdadeiramente um mistério.

O estado de espírito de quem vai para uma reunião de serviço

Quando se vai para uma reunião de serviço, é preciso ter em mente que a intenção, a idéia, é levar tão somente uma contribuição, uma experiência pessoal. É preciso lembrar sempre que o todo é formado pelas partes e que cada um de nós não é senão uma parte, mas uma parte realmente importante. Cabe ainda lembrar que as nossas experiências são tanto o fruto das nossas vivências, e por isso são muito ricas, quanto limitadas à esfera pessoal. Ao mesmo tempo, precisamos ter a consciência do valor da contribuição que podemos dar, mas também a de que ela será parte de um todo, de um conjunto maior, que se formará a partir das contribuições de cada um dos que estarão presentes à reunião.

O que fica dessas considerações é que a atitude de humildade é indispensável se se deseja chegar à consciência coletiva. É aceitar que, pelo menos diante do fato de se estar frente a uma manifestação do Poder Superior, a prepotência, a arrogância, o narcisismo e a agressividade possam dar lugar à humildade e à aceitação daquilo que irá resultar da soma de todos os conhecimentos e contribuições, mas, sobretudo aceitar que ao final se chegará ao melhor caminho, à melhor solução, à melhor decisão.

O que acontece quando não se busca a consciência coletiva

Muitas coisas podem acontecer. A realidade pode ser distorcida e as conclusões ou decisões podem não ser as mais sábias ou convenientes. Parte dos que compõem o grupo pode ficar excluída dos trabalhos, por ser constituída de membros mais tímidos ou por estarem dominados pelos mais prepotentes, pelos que melhor fazem uso da palavra.

Pode ocorrer que, antes de uma reunião, os componentes do grupo procurem contactar outros membros para lhes convencer acerca das suas pretensões ou postulações ou, simplesmente, conseguir adesões ou fazer acordos. Obviamente, a consciência coletiva estará sendo manipulada e aí poderiam os mais doentes chegar ao seu “dia de glória”, pois teriam manipulado até mesmo o Poder Superior. No entanto, nessas condições, a consciência coletiva não se estabelece e Ele não fala. Talvez falem outras vozes menos divinas.

Quando não se busca a consciência coletiva, o que usualmente acontece é correr o sangue emocional e até mesmo o físico. Usualmente a luta se estabelece, mas ela não leva a nada porque é caótica, é barulhenta e não construtiva.

As agressões tornam as reuniões cansativas e os resultados são nulos ou diminutos. As reuniões se tornam tanto desagradáveis quanto improdutivas. É um conflito sem frutos e que vai para lugar nenhum. As pessoas tornam-se prisioneiras das suas raivas, dos seus ressentimentos e das suas ambições pessoais desmesuradas. Outros procuram concertar as cabeças, convencer ou curar os seus companheiros e isso, muitas vezes, pode até parece ser coisa de amor, mas o fato é que fazem isso para o seu próprio conforto, em seu favor.

É fundamental que busquemos a complementação sempre que opiniões diferentes ou contrárias às nossas forem apresentadas. Devemos buscar, nessas situações, o sentido de existir, de ser. Devemos identificar, na existência dos opostos, o sentido da complementaridade. Sempre que nos incompatibilizamos uns com os outros é porque estamos medindo forças e assumindo posições antagônicas. Se buscarmos o sentido do complementar, poderemos reverter o antagonismo e somar as nossas potencialidades em torno de um propósito comum. Desse modo, não perdendo o nosso ponto de vista, identificamos um sentido maior que é a grande manifestação da Consciência Coletiva.

A insensatez

Quando não se busca a consciência coletiva, a insensatez se estabelece no grupo. Isto é, passa-se a agir de forma contrária aos próprios interesses, de forma contrária à apontada pela razão. Exatamente ao contrário da sabedoria que está no exercício do julgamento atuando com base na experiência e no uso das informações disponíveis.

No caos e na manipulação, buscam-se as atitudes contrárias aos interesses da Irmandade de Alcoólicos Anônimos, não obstante as advertências desesperadas de alguns e da existência de alternativas melhores e viáveis. A busca da insensatez torna-se trágica e, dolorosamente, um comportamento dominante. Dominados pelas paixões, os membros do grupo abandonam o comportamento racional, tornam-se passionais. A mitologia grega tinha uma figura para representar a cegueira da razão, o desvario involuntário, de cujas conseqüências os companheiros depois se arrependem, chamada Ate, filha de Eris, deusa da discórdia e da disputa. Tomados de cega insensatez, as vítimas da deusa se tornam incapazes de realizar uma escolha racional, de distinguir entre atos morais e imorais.

Onde e como o Céu e a Terra se encontram

O homem, desde tempos imemoriais, vem procurando fazer contato com as forças criadoras, com o sagrado. Procurou lugares e objetos em que o céu e a terra se encontrassem. Concebeu a montanha e a cidade sagradas, a residência real, a árvore da vida e da imortalidade, a fonte da juventude, etc.

A idéia de que o santuário reproduz o Universo, na sua essência, passou para a arquitetura religiosa da Europa cristã e para as basílicas dos primeiros séculos, do mesmo modo que as catedrais medievais reproduziam simbolicamente a “Jerusalém celestial”.

O lugar sagrado, o “Centro”, seria a zona da realidade absoluta e lá estariam os seus símbolos: a árvore da vida e da imortalidade, a fonte da juventude, etc. daí a ideia de que a estrada que leva ao “Centro” é um “caminho difícil”. Difícil também a peregrinação aos lugares sagrados, feita em viagens cheias de perigos e realizadas por expedições heroicas. A mesma dificuldade encontra aquele que procura caminhar em direção ao seu ego, ao “Centro” do seu ser. A estrada é árdua e cheia de perigos porque representa um ritual de passagem do âmbito profano para o sagrado, do efêmero e ilusório para a realidade e para a eternidade, da morte para a vida, do homem para a divindade. Chegar ao “Centro” equivale a uma consagração; a existência profana e ilusória dá lugar a uma nova existência, a uma vida real, duradoura. Na busca da consciência coletiva o grupo de trabalho procura chegar ao “Centro”, ao ponto mais elevado.

Eu, pessoalmente, considero que é através do processo de formação da consciência coletiva, após percorrer um caminho muitas vezes trabalhoso e difícil, que estabelecemos um contato entre o céu e a terra. É por meio do processo de busca da consciência coletiva que o céu e a terra se tocam. A consciência coletiva é a voz do Poder Superior.

O conceito de substancial unanimidade e a idéia da formação de uma verdadeira comunidade centrada na busca da manifestação do Poder Superior estão na base de uma nova dimensão de divindade e permitirão que a Irmandade de Alcoólicos Anônimos se aperfeiçoe de maneira progressiva e que, por meio da busca da consciência coletiva, os seus membros conquistem a mais absoluta liberdade espiritual, ficando então livres de preconceitos e de sentimentos negativos em relação aos demais companheiros.

Finalmente

Finalmente, é necessário dar passos concretos e assumir atitudes que concorram para que sejam bem sucedidas as reuniões de serviço. Assim, ficam as seguintes sugestões:

É conveniente que os assentos sejam distribuídos em círculo ou que a mesa que se vai usar seja redonda. É uma forma de equilibração e nela não há destaques.

Evite usar as palavras “eu” e “você”. Use o “nós”, de modo a se incluir no grupo.

Dirija-se ao grupo como um todo, mesmo quando falando para apenas um dos seus componentes.

Evite ficar próximo dos mais íntimos. Isso impede a formação de grupinhos separados.

Evite a discussão paralela. Não fique falando baixo com o companheiro ao lado. Alguém pode entender como crítica.

Olhe para quem estiver usando a palavra. É uma atitude de respeito. Não fique alheio à discussão de determinado assunto enquanto se prepara para uma intervenção.

Ao se manifestar, não se afaste do que vem sendo discutido pelo grupo. De outra forma, haverá o risco de se perder o encadeamento, o raciocínio que vinha sendo desenvolvido.

Ao opinar, procure fundamentar a sua contribuição, apresentar algo de valor e não dar apenas um palpite. Diante de um palpite, os demais companheiros devem fazer perguntas como: Por quê? Quando? Onde? Etc., para forçar uma operação mental que resulte em manifestação mais elaborada.

Tenha boa vontade com os tímidos pois que, com essa atitude, irá encorajá-los a participar do grupo.

Não eleve a voz. Não se emocione. Não crie barreiras à comunicação. Não diga não concordo. Discorde sem dizer não concordo.

Às vezes, é bom lançar dúvidas para forçar a reflexão e evitar o dogmatismo.

O coordenador deve evitar o papel de chefe. Quem tem chefe é bando.

Se o grupo não evoluir, em determinado momento será bom fazer uma pausa para examinar o que está dificultando o progresso da reunião. É melhor tomar essa atitude enquanto o grupo está reunido do que deixar que as críticas ocorram depois, o que seria uma atitude desleal para com o grupo.

Os que não entendem do assunto em discussão, por vezes, se mostram lógicos e criativos e apresentam boas contribuições.

Tenha coragem de expor as suas opiniões, de oferecer sua experiência. Corra o risco de ser contestado, é natural. Não fique só na colocação das dúvidas.

Evite a palavra acho, até porque às vezes o companheiro que assim se manifesta, está mais do que convicto. Se tiver dúvidas, abra o jogo.

Seja generoso. Elogie. Estimule os companheiros do grupo.

Se estiver muito acima do grupo em determinado assunto, não dê aula. Procure fazer perguntas inteligentes que despertem idéias.

Passe a bola para poder recebê-la de volta. O processo se tornará mais dinâmico e produtivo.

Nunca procure derrotar um companheiro presente a uma reunião. Você não veio para isso. O que se espera é que contribua com a sua experiência pessoal. Lembre-se de que o companheiro derrotado em público jamais o perdoará. Isso fere muito.

Se for tímido, procure acompanhar a evolução do assunto em estudo e isso já é uma forma de participar e de evoluir.

Evite as expressões: “é claro” e “você não entendeu”. Não culpe o grupo quando não for entendido. A reunião evolui melhor dizendo: “talvez eu não tenha sido muito claro”.

Estimule todos os companheiros presentes a prestar o seu esclarecimento, a dar a sua contribuição. Por outro lado, não seja paternal. Lembre-se de que todos têm igual responsabilidade pelo êxito da reunião.

O dominador costuma usar a expressão: “ninguém quer trabalhar” e o tímido se queixa de que “não o deixam participar”. Mas a verdade é que ambos demonstram a sua imaturidade.

O objetivo de cada um é cooperar. Não cabe obedecer, uma vez que todos têm o mesmo direito de participação.

É preciso que todos ofereçam as suas contribuições, a sua experiência. Participe e não fique na posição confortável de omisso. Participe, mesmo que tenha que enfrentar dificuldade em ser ouvido.

Não se alongue em excesso. Prolixidade é manifestação de falta de clareza. Ser objetivo e sintético demonstra inteligência. Falar em demasia é, às vezes, um recurso usado por quem tem o desejo de emperrar os trabalhos do grupo.

Participar implica em assumir responsabilidade de modo que se ocorrer que um companheiro não se sentir responsável, é porque não participou, não fez parte do grupo.

Evite usar frases feitas. Não empobreça o grupo. Seja criativo.

Não se impressione com a pretensa superioridade que algum participante do grupo possa ter em relação aos outros. É indispensável que haja reciprocidade para que ocorra a participação de todos.

Não se sinta desconfortável quando demonstrar o seu entusiasmo. Participe de corpo e mente. Somos seres humanos. Estamos vivos.

Evite ser duro com os companheiros ao assumir atitudes racionais e lógicas. Ser lógico, sim, mas com amor. Igualmente, amor sem lógica é sentimentalismo, e não ajuda.

Aceite as pessoas, derrube as barreiras psicológicas. Deixe-se evoluir e contribua para a evolução dos outros. É preciso não ser impermeável e avaliar com boa vontade os pontos de vista dos companheiros. Só assim se estabelecerá um diálogo enriquecedor.

Não seja deslumbrado. As pessoas são perspicazes e críticas.

As dificuldades não devem desencorajar o grupo. É possível ir comendo o mingau quente pela beirada.

Se for inevitável a votação, que pelo menos ocorra uma longa discussão acerca do assunto de modo a alcançar uma substancial unanimidade.