Procurei a sala por pressão da minha família que queria me internar e então me falaram de AA e achei que indo numa sala ia aprender a beber moderadamente, só por isso, mas não era alcoólatra.
Na época, em novembro de 2004, eu já estava há cerca de dois anos bebendo de terça a domingo, mas como não bebia às segundas-feiras, não era alcoólatra.
Não era alcoólatra porque tinha uma boa casa, emprego e estudava. Por isso, achava normal eu ficar bêbada em todas as festas de família e em outros momentos felizes porque tinha que comemorar, mas não era alcoólatra.
Quando eu viajava para a praia começava a tomar cerveja às 10 da manhã e terminava o dia com um saldo de mais de 12 latinhas e várias caipirinhas, mas tinha a justificativa: era praia, calor, sol e todo mundo bebe né? Eu também. Mas não era alcoólatra.
Quando estava na faculdade, trabalhava o dia todo, estudava à noite e como ficava muito cansada, chegava, fumava um cigarro de maconha e saia para beber alguma coisa no bar com os meus amigos, repeti um ano, mas tinha as amizades, tinha que beber, mas não era alcoólatra.
No começo da minha carreira profissional, ia a muitas festas, quase todos os dias e para aguentar bebia algumas doses de vodca e uísque antes de sair, mas era o cansaço que fazia isso, porque eu, eu não era alcoólatra.
Depois passei a ter que entrevistar pessoas e como algumas eram até bem conhecidas, eu tomava uma para ter coragem e não falar besteiras, eu tinha que me soltar, só isso, mas não era alcoólatra.
Também nas reuniões de trabalho, tanta tensão, não dava para aguentar aquilo de cara limpa, precisava saber como apresentar minhas idéias e bebia, mas não era alcoólatra.
Demorei muito para começar a dirigir, tinha medo, mas precisava, tirei a carteira e quando comecei a sair, tomava pelo menos uma cervejinha para ficar mais segura, mas não era alcoólatra. Uma vez, numa curva, passei reto e quase entrei no poste, não morri porque não era o meu dia e também porque eu não era alcoólatra.
Nunca tive um relacionamento sério com ninguém, conhecia um cara aqui outro ali, mas nada durava porque eu bebia. Bebia para me tornar quem eu não era e sim quem o outro queria que eu fosse, bebia para ser aceita, apaixonante, engraçada e interessante. Mas não porque era alcoólatra.
Eu alcoólatra? Imagina, que brincadeira sem graça. Alcoólatra. A-L-C-O-Ó-L-A-T-R-A, alcoólatra! Que palavra mais feia essa, para falar assim desse jeito. Ainda mais para mim, que não era alcoólatra.
Alcoólatras eram aquelas pessoas que eu via caindo pela rua, ou dividindo uma garrafa pet com pinga numa praça qualquer. Eu não, não era como aqueles bêbados que ficam o dia inteiro dentro de um bar e arrumam brigas. Ou como aquele povo que até é internado por causa da pinga; eles sim eram alcoólatras. Eu? Não, definitivamente, eu não era alcoólatra. Exagerava um pouquinho e só. Achava que pararia quando quisesse e pronto.
Mas não é que eu virei alcoólatra? Pois é, virei alcoólatra quando conheci o AA e isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. Virei alcoólatra e descobri que tenho uma doença que é física, mental, emocional e espiritual, incurável, progressiva e fatal. Virei alcoólatra e deixei de ser bêbada, cachaceira, mau caráter, sem vergonha, fraca, vagabunda, doidona, louca, irresponsável, excêntrica, exagerada, maluca… enfim, deixei de ser todos os personagens que havia criado para mim e que todos acreditavam – ou fingiam acreditar.
Hoje eu sou apenas a Silvia, uma alcoólatra em recuperação que ontem não bebeu e que só por hoje não tomou o primeiro gole. Hoje eu sou a Silvia, uma pessoa que está muito longe da perfeição, que ainda tem um longo caminho de reconstrução, mas o mais importante é que sou uma mulher em paz comigo e com os outros e, mesmo com os problemas e dificuldades que todo mundo tem, consigo ser muito feliz.
Obrigada a todos e 24 horas de serena sobriedade.
Sílvia / Tucuruvi / SP
Vivência nº 102 – Julho / Agosto 2006