Talvez, dentro de Alcoólicos Anônimos, esta seja a frase mais perigosa de ser ouvida e pronunciada. Nem mesmo a palavra ‘recaída’ é falada com tanta apreensão e temor, como o ‘NUNCA MAIS’.
A recaída nós temos consciência de que existe, sabemos que nenhum de nós está livre de um tropeço, por isso, costuma-se dizer:
“O alcoolismo é uma doença de eterna vigilância”.
O “nunca mais”, no entanto, é uma frase que para os menos informados sobre o Programa de Recuperação sugerido por Alcoólicos Anônimos, pode até parecer um firme e inabalável propósito. No entanto, para nós membros de A.A., sabemos que tal frase nada tem a ver com a nossa recuperação.
O perigo existente para nós, alcoólicos em recuperação, diante do ‘nunca mais’ está no fato de vermos nascer, dentro de nós, uma falsa e ilusória segurança , bem como poderá nos induzir a um afastamento de nosso grupo, pois estaremos, invariavelmente, julgando-nos capazes de manter nossa abstinência, sem a participação junto aos nossos companheiros e companheiras.
Acabaremos sendo envolvidos por uma falsa autoconfiança, a qual em pouco tempo poderá colocar-nos diante do primeiro gole. A nossa maior segurança está, justamente, no fato de admitir a nossa fragilidade perante o álcool. Sabemos que somente através do compartilhar de nossas experiências é que nos fortalecemos em nosso propósito de não voltar a beber.
Quantos de nós, que hoje estamos sóbrios, no seio de Alcoólicos Anônimos, nos tempos de nossas bebedeiras, ao aprontar algum tipo de bagunça ou ato pernicioso, não dizíamos: “Nunca mais vou beber”. Ao amanhecer, do dia seguinte, estávamos envoltos em profunda ressaca, sem que apercebêssemos, víamos-nos novamente com o copo na mão apenas para tomar ‘uma’ e rebater a ressaca.
Nosso ‘nunca mais’ muitas vezes era até sincero e verdadeiro, mas, tornava-se frágil diante de nossa compulsão e iniciávamos tudo novamente.
Nossos familiares ao nos ver dentro de uma sala de A.A., muitas vezes, ficam exultantes e felizes. Passam a acompanhar nossa evolução, de repente percebemos que estes mesmos familiares, que tanto sofreram ao conviver com nosso alcoolismo, são invadidos por uma falsa e perigosa confiança, começam a sonhar e imaginar que seus entes queridos ‘nunca mais’ vão beber. Esta confiança é muito perigosa pois pode criar uma autoconfiança ilusória, que acabará levando o alcoólico de volta ao copo.
Portanto, é importantíssima a participação dos familiares junto ao Programa de Al-Anon, o qual, tal qual o Programa de A.A., demonstrará a impotência que os seres humanos têm para enfrentar alguns de seus problemas. O Al-Anon proporciona condições para que os familiares possam realmente entender e conviver com um alcoólico, sem que para isso precise martirizar-se ou viver o problema alheio.
O percebimento de toda nossa fragilidade está impressa em nossa literatura; tais frases não estariam se proliferando em nossos grupos, se o hábito da leitura estivesse sendo praticado.
Vivência nº 31 – Setembro/Outubro 1994