O conhecimento e avaliação de Alcoólicos Anônimos é necessário para aqueles que tenham um grande desejo de ajudar o alcoólico, porque o amam ou vivem com ele. Observando como e o que A.A. faz por ele, entendemos do que ele precisa, e principalmente aquilo que não podemos dar a ele. Tenho uma profunda e abrangente convicção a respeito de Alcoólicos Anônimos – eles são teoricamente confiáveis, racionais e, na prática, impressionantemente bem-sucedidos.
Meu relacionamento com A.A. é o do psiquiatra que teve acesso em primeira mão a seus milagres. Nós, psiquiatras, estamos habituados a milagres. Não existe para um médico satisfação maior do que o crescimento sólido do paciente – antes de ser um miseravelmente confuso, infeliz e medroso – em direção à saúde e autoconfiança. Como terapeuta, costumo ver com frequência a profunda reeducação emocional (que chamamos de psicoterapia ou psicanálise) tomar conta, aprofundar-se, crescer e solidificar-se na direção da maturidade.
Por que não é possivel fazer isso pelo alcoólico agudo? E por que A.A. pode? Por que quase sempre é certo que o alcoólico agudo ou bebedor-pesado – cheio de ira, confuso, quase sempre sem dinheiro, irrascível, desesperado, escondendo uma profunda sensação de baixa auto-estima por trás de uma atitude de arrogância defensiva – não é um candidato à psicoterapia? Ele precisa de ajuda. Por que resiste então a ela? É surpreendente para mim, agora, que nós psiquiatras não tenhamos visto o porquê antes. O alcoólico não consegue confiar em nós e nem em ninguém. O primeiro passo em qualquer psicoterapia é estabelecer o que chamamos de “transferência”. O paciente transfere para nós o propósito de uma educação emocional, extremamente similar ao da criança na primeira infância, além de uma abrangente confiança no terapeuta, para que possa retomar novamente sua caminhada ousando desta vez, viver, ser ele próprio, cometer erros, fazer questionamentos, aprender e acreditar que não será abandonado e que nós o ajudaremos na sua busca de um novo crescimento.
No início de sua recuperação, o alcoólico não consegue confiar em ninguém; é difícil para ele amar e confiar até mesmo em um Deus, uma vez que ele O teme. Isso me faz lembrar da profunda verdade que existe na frase: “Se um homem não ama seu irmão, a quem ele pode ver, como amará a Deus, a quem ele não vê?” O alcoólico não consegue fazer a transferência, não consegue amar nem confiar em seu irmão, não se relaciona como uma criança confiante com o novo médico que se intitula “psiquiatra”.
Entretanto, o alcoólico consegue entreabrir levemente a porta de suas emoções para outro alcoólico. Ele não teme do seu igual nenhuma condenação moral, ou irritante e humilhante indulgência, pois o outro esteve no mesmo inferno que ele. Começa a sentir afinidade por outrem após um longo tempo de solidão. Temos então agora aquilo que os psiquiatra chamam de relacionamento interpessoal. É essa para mim a essência e o alicerce de A.A. : estabelecer e manter relacionamentos humanos.
O próximo grande passo na direção da recuperação é uma perda gradual daquela sensação de ser único e diferente, que muitos pacientes têm. À medida que começa a frequentar as reuniões de A.A. e encontra mais e mais pessoas, vê que o mundo é cheio de bebedores-problema e alcoólicos. Para os amigos e a família ele sempre foi o pária, a catástrofe inaceitável. Mas nas reuniões de A.A. ele ouve sua própria história muitas e muitas vezes. Começa a se sentir livre para tentar entender essa estranha expressão – “bebedor compulsivo”. Até ser chamado de “personalidade adicta” por outro que está no mesmo barco, não o incomoda mais. No meio de tantos companheiros ele ousa fazer o inventário , conhecer mais sua própria personalidade e preparar-se para enfrentar seus pontos fracos, reconhecer sinais de perigo e aceitar as limitações de vida como todos os outros alcoólicos o fazem – evitando o primeiro gole – porque chegou à conclusão de que é um doente (…) (Grapevine, nov/98)
Adele E. Streeseman, M.D.
(Vivência – Set/Out 99)