As dinâmicas e os efeitos das reuniões no grupo base são familiares a muito de nós, mas sempre é bom repassar.
Nunca tinha assistido antes a uma reunião de A.A., mas o conselheiro tinha dito que começaria às 8h. Eram 7h55. Outras pessoas começaram a entrar e a subir as escadas. Bem, pensei se eu não gostasse, poderia levantar e sair; ninguém poderia me obrigar a ficar lá. De qualquer maneira, ninguém me obrigou a vir. Está bem. Subi as escadas.
Era uma sala grande com mesas no centro, algumas poltronas perto das janelas, uma máquina de café no fundo. O lugar cheirava a cigarro. Não querendo ser notado, sentei-me no canto.
A pessoa que aparentemente era responsável sentou-se na cabeceira da mesa. Atrás dela, estavam pendurados retratos de dois homens. Começaram de maneira ordenada e formal, guardando um minuto de silêncio, seguido de uma prece e a leitura de enunciados extensos chamados Passos e Tradições.
O que foi dito pareceu-me familiar: relatos e problemas que aconteceram a mim ou a pessoas que conhecia. Senti-me bem por estar com pessoas que entendiam as circunstâncias que eu experimentava. Eram abertos e francos com relação a seus problemas e conflitos. Ao final, aquele que estava sentado na cabeceira leu uma declaração sobre a questão do anonimato: “Quem você vê aqui, o que você ouve aqui, quando sair daqui, deixe que fique aqui”.
Passou um tempo antes que eu entendesse o sentido dessa frase. Por um lado, dizia fique na sua, o que uma pessoa compartilha com o grupo não deve ser comentado fora da reunião. Se uma pessoa tem problema com seu chefe e sei quem é o chefe, o que se diz tem caráter confidencial. Com o tempo, percebi que as pessoas tiram o peso da culpa, da ira, do ressentimento, da autopiedade e outras cargas emocionais, desembuchando e falando claramente das coisas que as angustiam. Essa é uma das chaves do êxito deste programa. Os que se preocupavam com a impressão que seu relato causava nos demais, ou que queriam parecer melhores do que se sentiam, não avançavam muito em sua recuperação. Estavam tornando-se atores que diziam o que outros queriam ouvir.
No começo, pensava que todos estavam envergonhados por estarem aqui; porque era assim que eu me sentia. Logo, reconheci um antigo vizinho que não via há anos. Não sabia se devia me esconder, ou dirigir-me a ele e cumprimentá-lo. Depois, soube que ele tinha muitos anos no programa, e ele se tornou meu primeiro padrinho.
Não era evidente para mim que reconhecer meu alcoolismo e aceitá-lo como um fato de minha vida eram duas coisas diferentes. Depois da aceitação, a vergonha desvaneceu-se com o novo interesse que logo experimentei em minha recuperação, sabendo que finalmente havia tomado o caminho correto. Com a aceitação da doença alcoolismo, desenvolvi um vigoroso empenho por estudar todos os aspectos do programa de recuperação. Comecei a assistir às reuniões dedicadas ao estudo dos Passos e coloquei-os em prática.
Minha recuperação desenvolveu-se de acordo com pautas familiares. As pessoas que eram sinceras em relação a manterem-se sóbrias iam regularmente às reuniões, colocavam as mesas e as cadeiras, exibiam os livros e demais materiais impressos. Davam as boas vindas aos novos e faziam-nos sentir que eram bem vindos. Praticavam quando eram chamadas à frente e escutavam atentamente o que outros contavam sobre suas experiências. Davam exemplo ao ajudar e dar a mão quando eram solicitadas.
Os sobrenomes e títulos profissionais não tinham nada a ver com a recuperação. O que importava era compartilhado na mesa e no comportamento naquela pequena sala. Os que faziam mais alarde só estavam tentando chamar atenção para si porque estavam contentes em ser como eram. Humildade é uma conquista pessoal, não se pode dar. Chega como vislumbre e desenvolve-se como cristal de gelo. Também é frágil e requer, portanto, cuidado e proteção.
Manter o anonimato assegura que o centro de nossos esforços resida no programa e não nas personalidades.
Fonte: Revista Vivência – Edição 173 – Maio / Junho – 2018 – Paginas: 25 – 26